quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Memória

Sofro de memória boa, como doença que a gente amaldiçoa. Por coincidência lia hoje pela manhã uma matéria sobre a construção das nossas memórias e o impacto delas na formação do nosso eu. A ciência já descobriu que as memórias afetivas são as mais fortes, as mais fáceis de acessar e talvez isso explique por quê por mais que eu queira, elas me atingem como socos invisíveis no estômago até nos detalhes mais banais.
Há dois dias pulou no meu celular uma foto tua beijando o rosto de outra garota. Eu quis dizer a mim mesma que podia não ser nada demais, seria possível se de imediato meu cérebro não tivesse espelhado nos meus olhos uma postagem de 2014 em que você fala do sofrimento de não ver os olhos dela todos os dias de manhã. Fui me certificar de que não era armadilha das minhas memórias, mas ela é tão certa que eu lembrei até o mês. Não foi difícil achar, mas é impossível esquecer. Eu sei que daqui dez anos eu vou lembrar desse dia, eu sei que essa maldita foto vai perseguir meus dias num pra sempre, que como já diz, nunca acaba.
Eu não sei mais viver com essa paralisante capacidade de lembrar. Com essa dolorosa incapacidade de esquecer. Eu queria que soprasse um vento que levasse embora Ariane, Ravena, Marcelle, Mônica e todas as palavras de carinho que você já dirigiu a elas e que me cortaram feito lâmina acesa por dentro. Eu sei também que esse vento tem nome, chama-se desamor, e hoje, mais que tudo, eu queria desamar você.
Semana passada eu te amei com a urgência dos endividados, te desejei em cada esquina, em todo livro, em toda rima de um poema. Há dois dias essa lembrança odiosa me faz te desejar longe, o mais longe possível de mim. Longe do meu abraço, dos meus olhos, e da minha lembrança. Eu não queria guardar lembrança nenhuma de você. Te ressentir hoje tem sido uma  doença.