Livro
chega com dedicatória. Vinho não. Um livro deixa lembranças gravadas em
celulose pela vida inteira. Vinho não. Um livro pode ficar o quanto quiser na
estante exibindo a qualquer um as linhas tortas de quem o dedicou. Um vinho
não.
Chego
a você esta noite com um vinho nas mãos - um presente não corpóreo pra não
deixar vestígios de mim. Um presente sem vestígios, como o não concreto de nós
dois. Um presente pra sorver num gole só e amanhã, junto com a garrafa vazia,
restar somente a sensação de que foi sem nunca ter sido.
Chego
a você essa noite com um presente não corpóreo nas mãos e uma carta no fundo do
bolso. O vinho quero que beba por inteiro seja lá com quem for, e que a
cada gole você lembre furtivamente de mim. A carta não. A carta eu a quero
guardada no fundo do teu bolso, do teu baú, da gaveta trancada a sete chaves,
como o meu furtivo desejo de ser, as minhas emoções espelhadas na tua retina.
Depois
de te deixar pela décima sétima vez a carta volta queimando no meu bolso, como
brasa que esqueceu de apagar. Peço ao táxi pra seguir caminho pela rua da
saudade, e pela janela deixo a carta voar sem rumo por entre as ruas de nome de
poesia.
Na
ilusão das minhas linhas te imagino ao meu lado numa fotografia qualquer com
dedicatória em tua letra com data e lugar. Na solidão de minha cama miro o livro
que você me deu, ali clandestino, sem rastro e sem desejo de ficar.
Foi
amor sem nunca ser. Paixão sem querer sentir. Ardor sem querer acabar. Foi
ficar sem querer partir.
Pela
rua da saudade voa agora o único vestígio de você em mim, e pela décima sétima
vez me despeço de tudo aquilo que ainda não fomos nós.