segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Uma Coisa Qualquer de Poesia

Disse o poetinha que toda mulher pra ser bonita tem que ter uma coisa qualquer de tristeza. Por razões óbvias eu discordo do gênero. Mas há, indiscutivelmente, em toda tristeza uma coisa qualquer de poesia. E talvez por isso que eu tenha cultivado esse hábito de recorrer a esse blog quando as emoções indesejadas me inundam. Eu penso bonito quando estou triste

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

365



E naquela noite eu fui pronta. Pronta pra descobrir se as palavras que haviam alimentado minhas últimas semanas faziam sentido estando fora do celular já antigo, desprotegidas daquela luz azul que se projeta da tela e faz tudo parecer tão perto e tão irreal. Fui movida por um desejo já não tão novo de me permitir. De me arriscar a sentir e de sentir que me arrisquei. Fui pronta pra dizer o teu nome forte e demoradamente pra sentir qual era o efeito que causava no mundo real o resvalar das tuas letras invisíveis nos meus lábios. Saboreei, como quem soletra, o gesto simples de dizer o teu nome em voz alta, até as palavras saírem redondas, com a maciez de quem pensa palpar o invisível, de quem pensa, falando, projetar no universo os sentimentos ainda em gestação. Falar você era admitir ,enfim, a existência das tuas impressões fazendo morada no meu pensamento. Era admitir você em mim, com todas as luzes e sombras que havia nisso. Fui pra descobrir que o teu nome nos meus lábios tinha gosto de fruta colhida do pé. Pra 365 dias depois atestar que a palavra tem um místico poder, e que  desde aquele dia ecoa no tempo o que resta de nós dois num farfalhar das tantas páginas de burocracia que o desejo revelado em palavras deixou escorregar. 

Mutatis Mutandis tudo continua igual.

sábado, 22 de agosto de 2015

O Amor é Filme



O amor é filme. E eu não digo disso pelo cheiro de menta e pipoca que dá quando a gente ama. O amor é filme porque é história que as vezes a gente constrói, desconstrói e até inventa. Eu adoro um amor inventado. Mas desses amores inventados bem reais - com script, trilha sonora e créditos no final. E como diz a melodia se não for isso eu não me importo. Não dói porque é fantasia. E no mundo da minha fantasia cabe tudo - eu te imagino, te conserto e faço a cena que eu quiser. 

Mas com você eu jurei que não ia ser assim. Jurei naquele dia em que eu acordei e você me disse " Fica pra sempre." Eu jurei que era amor o próximo capítulo. Mas eu desisti de escrever mais uma vez o mesmo enredo. Desisti porque eu percebi que não precisava te inventar. Você tava ali e era claro e verdadeiro. E tudo em você me agradava a alma. Não havia nada pra consertar. Não era amor, mas a realidade de você era melhor que a cena da minha aquarela. 

Você viveu no meu documentário. E dessa vez, eu que vivi na tua fantasia. Você inventou nós dois. Criou uma história nova por cima da tua, fotografou nossos corpos em branco e preto e antes que estivesse em cartaz você fez o corte, apagou a luz e fechou a cortina. 

Nos bastidores, a gente caminha junto no set vazio. Ainda hoje você jura que me amou. E em algum lugar da minha memória, enquanto o cheiro de pipoca se esvai, o zoom da ré e sobem os meus créditos em forma da canção que persegue o sentimento: não pense que eu pensei nada além do que pensamos juntos.*

Três dias depois do teu abandono eu percebi o óbvio: o amor é filme. E a gente discordou do gênero. Eu prefiro fantasia e você adora um bom drama. 

*Canção da linda Ágda Moura.

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Das Coisas Que Eu Não te Contei

Um dia depois do teu adeus não tirei você da cabeça um só minuto. Senti teu cheiro em um estranho qualquer na rua, sintonizei o rádio naquela estação que eu ouvia sempre pra pensar em você,  memorizei uma passagem daquele livro que você mencionou numa conversa qualquer, e consciente, esbarrei nos fragmentos de nós dois durante todo o dia.

O período de fossa parece ativar uma área qualquer do pensamento que faz as memórias aparecerem em detalhes só pra espezinhar o sofrimento. Aí eu me pus a pensar sem querer em todas as pequenas coisas que eu te fiz. Em todos os pequenos gestos que eu dediquei a você. Em todas aquelas gentilezas que se faz por gostar, mas não se conta porque o objetivo não é se envaidecer.

Fiquei pensando se você notou que eu dormia 4 horas por noite quando estava contigo, que chegava já cansada e me arrastava da cama no dia seguinte pra assistir aula num esforço arretado pro meu relógio biológico preguiçoso pra estar com você. Que eu esperei três horas no hall do prédio
porque você teve um imprevisto e ia se atrasar. Que eu nem bebo, mas agora entendo de cerveja pra saber te surpreender. Lembrei que eu nunca te contei que aquele dia em que eu perdi o celular eu não ia sair com ele, mas resolvi levar porque você falou comigo na saída e eu não quis te deixar sem resposta. E que eu viajei 194 quilômetros num final de semana em que eu não pretendia sair de casa porque você teve dor nas costas.

Um dia depois do teu adeus eu amaldiçoei meu esforço, teu nome, tuas costas, e o dia que te conheci. Eu apaguei do celular nossas conversas, tuas fotos e o número do taxista que me levava pra casa. Eu odiei a tua rua, o Belchior, o chocolate com amendoim e o Luis. E naquele dia, na ira da fossa, eu odiei encontrar aquela foto em que eu te beijo o rosto e você sorri de olhos fechados. Então, um dia depois do teu adeus eu conservei aquela fotografia, mesmo odiando você e o meu nariz naquela imagem, porque no fim ela era uma prova incontestável de um tanto de bem que a gente também se fez.

domingo, 28 de junho de 2015

Tempo.


Celebrando a calma dessa noite preguiçosa de domingo, aprendo como criança encantada, a manusear o presente recebido esses dias - o dicionário analógico de Francisco Ferreira Azevedo. Buscando a esmo as sensações que gostaria de saber traduzir em palavras, opto pela Divisão Número V - tempo, e a cada palavra procuro consciente qualquer explicação de nós dois. Qualquer coisa que esclareça essa gangorra emocional na qual tento me equilibrar no entremeio de você e eu, entre os dois extremos daquela noite em que você me disse "eu te amo" e aquela outra em que o teu olhar me atirou um "eu não sei".

Você pra mim nasceu pra ser fugaz, como aquele olhar que me lançou no meio da multidão. Eu pra você tinha de ser por passagem - embarcar na tua emoção e partir sorrateira como a brisa na tua janela nos dias quentes de verão. Acontece que o tempo correu devagar nos nossos lençóis, e a pressa de te deixar, morreu naquele beijo. Acontece que um dia me peguei sorrindo da alegria inocente de poder bagunçar teus cabelos ao amanhecer, e naquela hora inexata eu percebi que queria ficar.

O tempo matou de cansaço o meu desejo de correr de você e você, descuidado, segurou minha mão quando eu ameacei partir. Justo quando o tempo me fez decorar o cheiro do teu shampoo de laranjeira, descobrir a cicatriz miúda nas tuas costas e saber o tempo da tua respiração quando adormece, a paixão abandonou o nosso olhar, e tudo que ficou perpétuo - o vinho chileno daquela noite, a cerveja importada do empório aconchegante, o livro do Chico e a canção da Marisa - ganham agora a marca triste de tudo aquilo que marcou, mas se esvaiu.

Tempo absoluto (adjetivo): permanente, pereno, eterno, você ficou em mim.