terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Quem sabe um dia, por descuido ou poesia, você goste de ficar.

Livro chega com dedicatória. Vinho não. Um livro deixa lembranças gravadas em celulose pela vida inteira. Vinho não. Um livro pode ficar o quanto quiser na estante exibindo a qualquer um as linhas tortas de quem o dedicou. Um vinho não.

Chego a você esta noite com um vinho nas mãos - um presente não corpóreo pra não deixar vestígios de mim. Um presente sem vestígios, como o não concreto de nós dois. Um presente pra sorver num gole só e amanhã, junto com a garrafa vazia, restar somente a sensação de que foi sem nunca ter sido.
                                                
Chego a você essa noite com um presente não corpóreo nas mãos e uma carta no fundo do bolso. O  vinho quero que beba por inteiro seja lá com quem for, e que a cada gole você lembre furtivamente de mim. A carta não. A carta eu a quero guardada no fundo do teu bolso, do teu baú, da gaveta trancada a sete chaves, como o meu furtivo desejo de ser, as minhas emoções espelhadas na tua retina.

Depois de te deixar pela décima sétima vez a carta volta queimando no meu bolso, como brasa que esqueceu de apagar. Peço ao táxi pra seguir caminho pela rua da saudade, e pela janela deixo a carta voar sem rumo por entre as ruas de nome de poesia.

Na ilusão das minhas linhas te imagino ao meu lado numa fotografia qualquer com dedicatória em tua letra com data e lugar. Na solidão de minha cama miro o livro que você me deu, ali clandestino, sem rastro e sem desejo de ficar.

Foi amor sem nunca ser. Paixão sem querer sentir. Ardor sem querer acabar. Foi ficar sem querer partir.

Pela rua da saudade voa agora o único vestígio de você em mim, e pela décima sétima vez me despeço de tudo aquilo que ainda não fomos nós.

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