terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Numa lágrima só


Uma hora atrás, de surpresa, você me disse o inevitável: estou indo embora. Uma frase curta numa mensagem em tom banal. "Estou pensando em nem voltar" - o embrião da despedida jogado assim por descuido. Em dois segundos mentalmente eu te levei no aeroporto pra te ver partir, te entreguei todos os textos que eu fiz pra você e nunca te mostrei, e numa lágrima só transbordei o afeto que eu não sei dizer.
Eu sempre te disse que ia voltar - me disse você sobre sua terra natal. Eu sempre soube que você ia voltar e no campo das possibilidades essa sempre residiu em mim, machucando um pouquinho. É que meus sentidos, meu caro, não possuem cartilha de sabedoria e o aviso prévio não vale assim de tanta coisa. Eu sempre soube que ia te ver partir, de outros modos já fizemos isso algumas vezes, mas é que dessa vez eu te vi de costas de mala na mão levando embora as possibilidades e o carinho no peito, e eu convulsionei.
Toda lágrima se gesta em mim como uma pequena convulsão - eu a sinto se formar bem aqui dentro, dobrar uma emoção num duto como quem vira uma esquina sem saber o que encontra por lá, e de espanto ou dor, grita. Essa lágrima que dobrou em mim junto com outras que vieram depois é o meu grito, aquele que eu não darei, e enquanto tento desesperadamente - como quem corre pra trancar uma porta - estancar essa saudade urgente e repentina transformada em gota transparente, eu te vejo de costas de mala na mão, e essa visão é a porta se fechando, essa de nós dois que deixávamos entreaberta.
Numa só lágrima eu ouço a porta bater e o som dos teus pés abafados se deixar levar, e já sozinha cantarolo Chico: como olhando o firmamento, pra poder lembrar-te sempre/ com o teu corpo em movimento, os teus lábios em flagrante, o teu riso, teu silêncio.


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