domingo, 8 de julho de 2012

Se Você Vier Me Perguntar Por Onde Andei



Andei nos últimos tempos me permitindo. E para mim, criada em meio aos rigores de uma família de pensamento conservador- no mais amplo sentido da palavra – significa me descobrir. Não que eu tenha saído por aí desvairada, provando o mundo de uma só vez. É que por aqui, em casa e em mim, cada passo adiante é um rompimento.

Há quem diga que vivi muito precocemente, que acabei por envelhecer – de alma mesmo-, muito cedo. Por hora eu tendo a discordar. Acho que vivo muito tardiamente. Não falo das responsabilidades da vida, talvez essas tenham me vindo deveras muito cedo. Falo dessa fatia confusa, desapegada e conflituosa, mas inegavelmente bonita e necessária da vida.

Desde lá sou um amontoado de questionamentos e comparações. Interpretar o mundo e as pessoas sempre foi um hobby, poucas coisas me fazem mais satisfeita que sentar num banco qualquer de uma praça e me encantar com as simplicidades estampadas em cada canto, em cada gente. Interpretar a mim é que tem sido o grande aprendizado, e a cada dia, isto de me conhecer, exige um esforço maior da minha mente tão cheia de pensamentos dispersos.

Hoje, num domingo de molho – do trabalho e da luta- e depois de um mês tão notadamente marcado por essa ambiguidade que me acompanha, eu olho para trás e tenho as mesmas dúvidas de ontem, e os mesmos questionamentos me rondam, e eu continuo a viver, e a buscar avidamente os tons vibrantes de fim de tarde e os sons que ecoam no interior ruidoso do meu sentir. Parece-me  então, que a minha teimosia sempre vence. Eu não desisto de olhar para o mundo em busca de mim, e de olhar para mim refletindo o mundo que quero viver por inteiro, em passo cadenciado e olhar curioso. Quantos goles de vida ainda hei de sorver! 

Um comentário:

  1. Sabe, quando lia, só vinha na memória Tabacaria, de Álvaro de Campos... talvez ele dissesse disso que você escreveu, isso aí:

    "Não sou nada.
    Nunca serei nada.
    Não posso querer ser nada.
    À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
    [...]
    Estou hoje perplexo como quem pensou e achou e esqueceu.
    Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
    À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
    E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
    [...]
    O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
    Ah, conheço-o: é o Esteves sem metafísica.
    (O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
    Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
    Acenou-me adeus gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
    Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.”

    Parece que você achou sua metafísica. A metafísica que Alberto Caeiro encontrou no seu guardar rebanhos. A metafísica que existe em não pensar em nada, como fala no Guardador de Rebanhos. A metafísica que existe em deixar a tabacaria, a sua tabacaria, coisa grande das coisas de fora, que fica do outro lado da rua, da sua rua, aí em você, rua, caminhos desmedidos e postes de luz queimada e sombrios e luzes acesas e coerentes e cantos escuros e cantos claros de metafísica que promove a reinvenção das coisas que existem e que não existem num texto sem parada e sem respiro pra tudo que acontece em torno em ti, que são as coisas grandes e reais de dentro e livres e que buscas avidamente de tanto que queres beber do mundo teu e não teu de todos. Porque a vida, a vida, a vida é muito grande, é muito cheia. E existe muito mais que uma tabacaria. E a tabacaria não pode prender espíritos grandes.

    “O único mistério é haver quem pense no mistério.
    Quem está ao sol e fecha os olhos,
    Começa a não saber o que é o sol
    E a pensar muitas cousas cheias de calor.
    Mas abre os olhos e vê o sol,
    E já não pode pensar em nada,
    Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
    De todos os filósofos e de todos os poetas.
    A luz do sol não sabe o que faz
    E por isso não erra e é comum e boa.”

    Como diz o Caeiro, parece que você achou sua metafísica, baby. Porquê você não pensa só, você sente, você vive. Você encontrou seu Deus. E você, vivendo como vive, encontra ele a toda hora e a todo instante, vivendo como vive.

    “Não acredito em Deus porque nunca o vi.
    [...]
    Mas se Deus é as flores e as árvores
    E os montes e sol e o luar,
    Então acredito nele,
    Então acredito nele a toda a hora,
    E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
    E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.”

    E dentre as missas que você vive, das coisas do Deus que é teu e que você vê, e que sente Deus, há um poetinha que canta um trecho, que às vezes não se ouve, mas que está lá... “...somos nós, é nossa voz ... reúne futuro e tradição ... é união ... somos nós ... mocidade brasileira, nosso hino é nossa bandeira ... classe estudantil, sempre na vanguarda a trabalhar ...”. E isso é o que liberta, a cada passo. É tudo o que faz feliz. E essa é uma parte da missa que você vive, quando você olha pra seu Deus e pensa nele belo, e pensa em si mesma, com o Menino Jesus de si mesma nos braços, pra no final do dia fazer que ”depois ele adormece e eu deito-o. Levo-o ao colo para dentro de casa”.

    “Andei nos últimos tempos me permitindo. E para mim, criada em meio aos rigores de uma família de pensamento conservador- no mais amplo sentido da palavra – significa me descobrir. Não que eu tenha saído por aí desvairada, provando o mundo de uma só vez. É que por aqui, em casa e em mim, cada passo adiante é um rompimento.”

    Você, hoje, tem uma missa constante dentro de si. E ela te leva pra onde você nem pode sonhar que vai levar.

    Amém.

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